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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

QUEREM COMPARAR GOVERNOS? ENTÃO VAMOS CIVILIZAR OS BOTOCUDOS!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009 | 5:41

É para ler até o fim, hein!? Tenho uma chavinha de ouro para vocês. Psiu!!! Sem tentação. É para pegar do começo.

De vez em quando, um petista moderado, tentando se distinguir dos petralhas, resolve pegar no meu braço, ousando ser o meu Virgílio e me convidando a visitar um dos círculos do inferno onde o partido aprisiona há 29 anos a reputação de suas vítimas. Sim, o PT tem este formidável poder de reescrever a biografia de seus adversários. Trata-se do Círculo das Reputações Enlameadas. Alguns poucos conseguem, pelo próprio esforço, como fez Eduardo Jorge Caldas Pereira, repor a sua história no devido lugar. E há aqueles que são resgatados pelo próprio PT desde que façam um ato de contrição ou sejam cínicos o bastante para se divertir na tragédia ou na comédia. No segundo caso, está, por exemplo, Delfim Netto, antes tido como uma besta-fera da “direita” e hoje conselheiro informal de Lula. Delfim diz que não mudou. Exemplo maior do primeiro caso é José Sarney. O PT, sempre tão dedicado a enlamear a honra alheia, funcionou, no seu caso, como lavanderia.

Mas volto ao petista que tentou se mostrar civilizado, me chamando até de “Rei” (!!!), muito íntimo, convidando-me a ceder: “Rei, admita que o governo Lula é inquestionavelmente melhor do que o governo FHC e que procede a votação plebiscitária que o PT propõe. Acho que você é um bom analista, mas sua paixão o cega às vezes…”

Ô bilu, bilu!!! Não há a menor chance de o “Rei” se apaixonar, viu? Não estou entre aqueles que sentem o frêmito da atração pelo inimigo. Zero! Você aí, eu aqui. Sem essa de me pegar no braço! “Rei” é uma pinóia! E não, não admito que “o governo Lula é melhor do que o de FHC”, não dito desta maneira, porque esse juízo é coisa ou de energúmenos ou de gente a soldo — e, às vezes, das duas coisas.

O “melhor” expressa um juízo comparativo. Não terá sido o governo FHC — que começou a governar, de fato, já como ministro da Fazenda de Itamar Franco — muito “melhor” do que o governo Collor? Muito melhor, na verdade, do que o governo Sarney ou do que o governo Figueiredo, quando a inflação começou a destrambelhar? O que quer dizer o seu “melhor”? É melhor um governo que assume, sem solavancos, com os fundamentos da economia sólidos — apesar de desajustes de superfície, alguns provocados pelo próprio “risco PT” — do que um outro que pegara o país com uma inflação superior a 2.500% ao ano, conduzindo-a para 5% ou 6%? Não terá sido “melhor” o governo que pegou o país com o custo de vida na casa dos 20% ao mês, derrubando-o para menos de 0,5%? Não terá sido “melhor” o governo que recolocou o país na rota dos investimentos?

Essa afirmação, meu caro falso civilizado, é só mais uma manifestação da delinqüência intelectual a que se dedica permanentemente o petismo. Para que se pudesse sustentar essa superioridade, seria necessário que, em iguais condições, o PT tivesse demonstrado competência ou apuro intelectual potencial ao menos para fazer melhor do que fez FHC. E sabemos bem qual foi a expertise demonstrada pelo partido: opôs-se ao Real, pregava o calote da dívida, o rompimento com o FMI, a rejeição à reestruturação dos bancos, às privatizações e seus investimentos — a tudo, enfim, que colabora para fazer hoje a fortuna crítica do lulismo. Tivesse vencido em 1994, o PT teria destruído o Plano Real. Porque era esta a proposta de Lula: destruir o Real. Era o que pautava a sua campanha.

“Ah, vá falar isso a eleitor, rá, rá, rá”, ri o delinqüente, satisfeito com o seu partido por ter ajudado a deformar a história e feliz porque seu líder sapateia sobre conquistas inegáveis do Brasil.

EU QUERO QUE SE DANE SE A VERDADE QUE DIGO É POPULAR OU NÃO. A mim, basta saber que é verdade; basta saber, e poder escrevê-lo, ao menos por enquanto, que a comparação é obra da mais estúpida vigarice intelectual, coisa de militância política da mais reles, da ignorância mais desprezível.

Num artigo anteontem, afirmei que minha rejeição ao lulo-petismo nada tem a ver com essa conversa mole de “governo deu certo ou deu errado”, governo “melhor ou pior”. Nunca antevi desastres para o governo Lula. Ao contrário: escrevi na revista Primeira Leitura que o PT seria mais conservador se vencesse em 2002 do que seria Serra, então candidato tucano. Está registrado. É documento.

- O que me incomoda no PT é seu ódio mal disfarçado à democracia, daí que viva tentando solapá-la — agora, o partido quer uma Constituinte para fazer a reforma política.

- O que me incomoda no PT é a moral que cria para si mesmo e a moral que defende para os outros — a exemplo de Dilma, anteontem, na festa dos mensaleiros do PT a atacar o mensalão de Arruda.

- O que me incomoda no PT é esse esforço para fazer tabula rasa do passado, destruindo a reputação de qualquer pessoa que não seja útil a seu projeto — a exemplo do que faz com a monumental conquista que foi o Plano Real.

- O que me incomoda no PT é o seu apoio dedicado a todos os vigaristas do planeta,— a exemplo de Mahmoud Ahmadinejad.

- O que me incomoda no PT é a sua admissão prática de que o crime compensa ou é aceitável desde que esteja ancorado numa causa de suposto alcance social — a exemplo de seu asqueroso conluio com o MST.

- O que me incomoda no PT é seu esforço permanente para substituir a sociedade pelo partido, imiscuindo-se em eleições sindicais de trabalhadores e patrões, nos fundos de pensão, na direção das estatais, nas ONGs e, se você deixar, no batizado de seus filhos.

- O que me incomoda no PT, a despeito de seus “universitários”, é a apologia permanente da ignorância, do obscurantismo militante, da barbárie das ruas.

“Governo competente?” Governos têm de ser competentes mesmo. Não serei grato a Lula, escrevo em Máximas de Um País Mínimo, por ele cobrar tão caro por aquilo a que temos direito de graça. Ou nem tanto: pagamos caro para que nos governem. Não tenho de lhe dar nada de adicional.

Um mínimo de honestidade intelectual — e não espero que os petralhas a tenham — indica que as ações do governo FHC e do governo Lula não são comparáveis porque simplesmente são diferentes as circunstâncias em que cada um existiu e os problemas a que cada um respondeu. E tenho uma chave de ouro para o tonto que achou que poderia pegar no meu braço:

Estou certo de que os tucanos, estivessem no governo, não teriam feito, NA ECONOMIA, nada muito diferente do que fizeram os petistas. Mas estou igualmente certo de que, estivessem os petistas no lugar dos tucanos em 1995, e hoje nós seríamos o mais ocidental dos países africanos.

QUAL GOVERNO É MELHOR?

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

“BRASIL E A REVOLUÇÃO NO OCIDENTE” -Gramscismo-

1. INTRODUÇÃO

Como brasileiros comprometidos com o futuro do País, devemos nos manter atualizados com respeito aos assuntos que delineiam a conjuntura nacional.

Nesse sentido, em sua obra, o Gen COUTINHO nos apresenta fatores que descortinam as razões de muitos fenômenos que caracterizam a vida nacional dos nossos dias.

Neste documento, apresentaremos alguns trechos do livro “A Revolução Gramscista no Ocidente”. Para uma melhor compreensão do que vem ocorrendo no Brasil de hoje, recomendo a leitura dessa excelente obra em sua totalidade.



2. GRAMSCI – BREVE APRESENTAÇÃO

“Antônio Gramsci (1891-1937), marxista e intelectual italiano, foi na sua mocidade socialista revolucionário e membro do Partido Socialista Italiano, no seio do qual fez sua iniciação ideológica. Ingressando no movimento, desde cedo demonstrou especial vocação para a militância intelectual. [...].”

Em junho de 1928, foi preso e condenado a 20 anos de reclusão pelo Tribunal Especial para a Defesa do Estado.

“Apesar do rigor da Casa Penal de Turi, para onde fora mandado para cumprimento da pena, o prisioneiro veio a conseguir cela individual (tendo em vista a sua frágil saúde) e recebeu permissão para escrever e fazer leitura regularmente.”

“A partir dos primeiros meses de 1929, Gramsci começa a redigir suas primeiras notas e apontamentos que vieram a encher, no transcorrer de seis anos, trinta e três cadernos do tipo escolar[1] . Escreveu até 1935, enquanto a saúde o permitiu.”

“O tema mais importante, aliás conteúdo central da matéria dos ´Cadernos do Cárcere`, é o pensamento político do autor que traz contribuições inéditas e atualizadas ao marxismo e uma concepção pertinente da estratégia de tomada do poder (´transição para o socialismo`). [...].”

“Estas concepção e estratégia desenvolvidas essencialmente nos Cadernos é o que podemos chamar Gramscismo ou, mais abrangentemente, Marxismo-Gramscismo.”



3. A CONCEPÇÃO ESTRATÉGICA DE GRAMSCI

“A constatação que Gramsci fez de que as sociedades capitalistas tinham diferentes estágios de desenvolvimento o levou a classificá-las em dois tipos [...]: sociedades ´orientais` e sociedades ´ocidentais`, denominação que não têm propriamente significado geográfico, mas relação com o estágio de avanço político, econômico e social em que se encontram os países.”

“Os do tipo oriental, de capitalismo primitivo, se caracterizam por uma sociedade civil frágil, passiva, com pouca organização e sem maior articulação com o estado. Nestes países o estado é onipotente. A Rússia Czarista era sociedade deste tipo em 1917.”

“Os países do tipo ocidental, de capitalismo moderno, se caracterizam pela sociedade civil forte, ativa e razoavelmente bem articulada com a sociedade política. O estado é a primeira ´defesa` dos interesses da classe dominante, à retaguarda do qual se desenvolve uma poderosa rede de ´trincheiras` e ´barreiras’, representadas por organismos e instituições governamentais e privadas, por meio das quais o grupo dominante exerce o domínio (coerção) e a direção (hegemonia) sobre toda a sociedade civil. As nações democráticas e de economia avançada são sociedades do tipo ocidental.”

“A Revolução Bolchevique foi vitoriosa na Rússia (então sociedade ´oriental`), aplicando a estratégia revolucionária marxista-leninista, caracterizada pelo assalto direto ao estado, com emprego da violência revolucionária (levante popular).”

“Este modelo estratégico, porém, não teve êxito nos países da Europa Ocidental nas tentativas de tomada o poder levadas a efeito até então (1935).”

“Gramsci, com visão acurada e crítica, reconheceu que as condições nos países orientais e ocidentais eram diferentes e que, portanto, a transição para o socialismo tinha que obedecer a estratégias diferentes e apropriadas aos estágios de desenvolvimento de cada um deles.”

“O ataque frontal ao estado para a tomada imediata do poder, com emprego da violência revolucionária, foi comparada por Gramsci à ´guerra de movimento`. Esta estratégia teve êxito em países do tipo oriental [...].”

“Para as sociedades do tipo ocidental, mais complexas e protegidas por forte sistema de ´trincheiras e de defesas políticas e ideológicas`, a ´guerra de movimento` não se mostrara adequada. Nestas sociedades, a luta teria que ser semelhante à ´guerra de posição`, longa e obstinada, conduzida no seio da sociedade civil para conquistar cada ´trincheira` e cada defesa da classe dominante burguesa.”

“Em outras palavras, disputar com a classe dominante a hegemonia sobre a sociedade civil e conquistá-la como prelúdio da conquista da sociedade política e do poder.”

“A partir destra visão original, Gramsci desenvolveu seu conceito estratégico de transição para o socialismo.”

Conceito estratégico de Gramsci: “A fim de criar as condições históricas para o advento da Sociedade Comunista, conduzir o processo progressivo de transição para o Socialismo Marxista e, três fases:

- Numa primeira fase, econômico-corporativa, organizar o partido das classes subalternas, lutar pelo estado democrático e pela ampliação das franquias democráticas, abrindo espaço e condições para o desenvolvimento da ação política revolucionária;

- Numa segunda fase, lutar pela hegemonia das classes subalternas sobre a sociedade civil, tornando-a dirigente e criando as condições para a tomada do poder;

- Numa terceira fase, estatal, tomar o poder, impor a nova ordem e estabelecer o socialismo, etapa provisória e anterior de passagem para o comunismo.”

“Nesta concepção, o objetivo estratégico é o socialismo marxista, mas o objetivo político-ideológico é realizar a nova concepção do mundo, a nova civilização; a última síntese: o comunismo.”

[...]



4. BRASIL E A REVOLUÇÃO NO OCIDENTE

“A estratégia revolucionária de Gramsci veio bem a calhar como uma ´alternativa` acabada ao marxismo-leninismo em crise e posto sob crítica desde a queda do Muro de Berlim em 1989, principalmente para o histórico PCB. Mas não foi só por este aspecto imediato que o gramscismo veio a calhar. Efetivamente, a concepção de Gramsci veio também no momento histórico certo para o movimento revolucionário no Brasil.”

“O país, a partir de 1930, ganhou um projeto nacional que, apesar dos tropeços e de algumas descontinuidades, avançou consistentemente sob diferentes formas. Foi capaz de proporcionar ao Brasil magnífico progresso econômico (industrialização), político e social que se refletiu positivamente no desenvolvimento da ´sociedade civil` e na modernização do capitalismo, embora com forte participação do Estado. [...]. Esta evolução abrangente, resultado de uma ´revolução passiva` na visão gramscista, chegou ao seu momento culminante nos anos 70, como resultado do programa de desenvolvimento econômico e social da Revolução de 1964.”

“Segundo os comentadores de Gramsci, o Brasil deixara de ser uma sociedade semicolonial do tipo ´oriental` e, definitivamente, se tornara uma sociedade do tipo ´ocidental`. Conclusivamente, o modelo revolucionário bolchevista ou marxista-leninista de assalto ao poder (´guerra de movimento`) já não se aplica adequadamente ao Brasil, mas preferentemente a nova e atualizada concepção da ´guerra de posição`. E é isto, exatamente, o que se está desenrolando no Brasil.”

“Recordando as fases do processo gramsciano de transição para o socialismo, podemos dizer que a fase econômico-corporativa no Brasil teve um momento particular em 1964, quando se deu a intervenção político-militar que frustrou o projeto do PCB de tomada do poder e que também depôs o Presidente Goulart com ele aliado (que, aliás por si mesmo, tinha um projeto próprio de golpe de estado). A partir de então, o país viveu um período político autoritário que as esquerdas identificaram, por conveniência ideológica, como ´ditadura militar fascista`.”

“A sensibilidade política do PCB (ainda fiel ao marxismo-leninismo) e das oposições em geral os levou á formulação de um projeto comum que era muito coincidente com a concepção estratégica de Gramsci para esta fase. Possivelmente pesou a influência de intelectuais gramscistas que já apareciam no cenário das esquerdas. Os empreendimentos recomendados por Gramsci na fase econômico-corporativa foram seguidos pelo PCB, ou seja, luta pela:

- Abertura política;

- Eleições livres;

- Anistia;

- Redemocratização;

- Constituinte.”

“Diferentemente, grupos açodados e radicais (foquistas, trotskistas e maoístas) optaram pela insensata luta armada, ´guerra de movimento`, que não conseguiu ir além do terrorismo urbano. Foi um desastre que só resultou no endurecimento do regime e na sua maior duração. De qualquer modo, com a derrota das organizações armadas, o processo de abertura foi iniciado pelo próprio regime em 1979.”

“Em 1985, o país estava redemocratizado e, em 1988, uma nova Constituição que, se não chegou a antecipar uma república socialista, quase chegou a ela.”

“Com a crise do comunismo soviético e seus reflexos no movimento comunista do Brasil (a reformulação do PCB, transmudado em PPS, e a formação de outros partidos de inspiração gramscista) estava terminada a fase econômico-corporativa e tinha início a fase da luta pela hegemonia (1991).”

“Agora, a atuação mais importante passa a ser dos ´intelectuais orgânicos` e dos intelectuais tradicionais ´adesistas`.”

“Tirante o corpo de intelectuais orgânicos do Partido dos Trabalhadores que está bem estruturado e atuante em todos os níveis, os demais intelectuais estão difundidos nos partidos, nos órgãos de comunicação social, nas cátedras, nos ´aparelhos privados de hegemonia`, nas ONG´s, nas comunidades (de moradores, de favelas, acadêmicas, de minorias etc.) e manifestação artística, ativos e conscientes politicamente, mas sem evidências nítidas de vinculação com as organizações políticas. É uma atuação difusa, abrangente, anônima na generalidade, mas muito efetiva, ´moderna` e uníssona.”

“A luta pela hegemonia é desenvolvida em uma ´frente popular` tácita, nem sempre muito coesa, mas que envolve praticamente todos os partidos de esquerda. Embora divergentes em determinados aspectos teóricos e práticos, têm pontos afins de atuação revolucionária. Os empreendimentos desta fase gramsciana, envolvendo principalmente a reforma intelectual e moral da sociedade e a neutralização do aparelho hegemônico da burguesia, encontram correspondência na atuação dos partidos ´socialistas democráticos` e na dos partidos marxistas-leninistas, particularmente no ´trabalho de massa` destes, concretizando um amplo ´pluralismo socialista` que, nesta fase, é bem-vindo para todos.”

“Podemos fazer uma breve e imediata constatação de alguns temas trabalhados e dos resultados já alcançados, particularmente em três empreendimentos:

- Superação do Senso Comum;

- Neutralização dos aparelhos de hegemonia da burguesia;

- Ampliação do Estado.”

Superação do Senso Comum

“O sendo comum é o conjunto das opiniões aceitas pela generalidade das pessoas da sociedade, fazendo com que opiniões discrepantes pareçam desajustadas.”
“A superação do senso comum significa a substituição e modificação de valores, tradições, costumes, modo de pensar, conformidade religiosa e social, sentimentos e outros elementos que dão à sociedade coesão interna, consenso e resistência a mudanças ideológicas. [...].”

“Na sociedade brasileira, podemos constatar, sem muito rigor sociológico e psicológico, mas observando o ´presente e o passado` com atenção que, desde os anos 80, alguns critérios, antes bastante sólidos no senso comum, foram modificados radicalmente. As novas gerações nem podem percebê-los. [...].”

“Vamos tentar identificar algumas dessas mudanças, apontando, inicialmente, as que não podem ser simplesmente atribuídas a uma natural evolução social e moral, para demonstrar a existência de um impulso de ´direção consciente` por trás do fenômeno:

1) O conceito de livre opinião (independência intelectual) está sendo substituído pelo conceito de ´politicamente correto`. A legítima e franca opinião individual vai sendo ´socializada` por substituição pela ´opinião coletiva` politicamente (´homogênea`) correta (´ética`). Este resultado é obtido principalmente pelo ´patrulhamento ideológico` (controle intelectual, estigmatização e censura) e pela ´orquestração` (repetição).

2) O conceito da legalidade está sendo substituído pelo conceito de ´legitimidade`. A norma legal perde a eficácia diante da violação dita socialmente legítima. A invasão de terras, a ocupação de imóveis e prédios públicos, o bloqueio de vias de circulação, o saque de estabelecimentos são legítimos (éticos) porque correspondem a ´reivindicações justas`.

3) O conceito de fidelidade pessoal (dever e compromisso) é substituído pelo de ´fidelidade individual`. O prazer (em oposição à solidariedade, ao altruísmo, à abnegação) é o critério do comportamento social e moral, moderno e livre.

4) O conceito de cidadão está sendo substituído pelo conceito de ´cidadania`. O termo cidadania perde o sentido de relação do indivíduo com o estado, no ´gozo dos direitos civis e políticos e no desempenho dos deveres para com ele` e passa a ser uma relação de demanda de minorias ou de grupos organizados. [...].

5) O conceito de sociedade nacional está sendo substituído pelo de ´sociedade civil`. A comunidade como conjunto das pessoas interdependentes, com sentimentos e interesses comuns, passa a ser o espaço das classes em oposição. Embora não seja aparente, é a cena da luta de classes.”

“Além destes exemplos, há muitas outras ´superações` do senso comum, menos evidentes (mas visíveis e apontados) porque o ´antes` e o ´depois` já estão muito afastados no tempo e porque já estão integrados, intelectual e moralmente, principalmente no senso comum dos mais jovens da sociedade:

- A personalidade popular como protagonista da história nacional em substituição ao vulto histórico, apresentado como opressor, representante das classes dominantes e criação da ´história oficial`.

- A história ´revisada` (na interpretação marxista) que substitui a História Pátria ´oficial` (´invenção` do grupo dominante).

- A união conjugal episódica ou temporária e de pessoas do mesmo sexo em substituição à família estável e célula básica da sociedade.

- Ecletismo religioso em substituição ao compromisso e fidelidade à Igreja de opção.

- Moral laica e utilitária em substituição à moral cristã e à tradição ética ocidental.

- Discriminação racial, dita como sutil e disfarçada e como realidade que desmente a crença ´burguesa ultrapassada` de tolerância e de sociedade multirracial e miscigenada. Este conceito recente é interessante porque se tornou senso comum apesar de todas as ostensivas evidências de que é falso; resultado da ´orquestração` (afirmação repetida).

- O preconceito, como qualidade que estigmatiza as pessoas conservadoras ou discordantes de certas atitudes e comportamentos permissivos ou tolerantes.

- A informalidade em substituição à convenção e à norma social que pressupõe vinculação institucional e à tradição.

- A moralidade substituindo a ética tradicional que se diz sufocar a felicidade e a liberdade individuais.

- Os direitos humanos como proteção ao criminoso comum (identificado como vítima da sociedade burguesa) e indiferente à vítima real (identificada geralmente como burguês privilegiado).

- ´Satanização` do ´bandido de colarinho branco`, identificado como burguês corrupto e fraudador do povo.

- A opinião pública como critério de verdade maior que os valores morais tradicionais e a própria lógica, quando inconvenientes.

- A mudança como valor superior à conservação.

- A ecologia como projeto superior ao desenvolvimento econômico (´especulação` capitalista burguesa) e social. A organização popular (aparelho privado não-estatal, ´eticamente` superior ao organismo estatal burguês.”

“Os principais meios de difusão dos conceitos do novo senso comum são os órgãos de comunicação social, a manifestação artística, em particular o teatro e a novela, a cátedra acadêmica e o magistério em geral. A eles se soma a atividade editorial, com menor alcance social.”

“É preciso acrescentar que nem toda mudança do senso comum resulta de uma atuação intencional e direta destes intelectuais orgânicos. Algumas transformações são decorrentes de uma evolução social natural. O projeto gramsciano de superação do senso comum, porém, é efetivamente um elemento desencadeador do fenômeno em cadeia, criando um clima de mudanças naturalmente estimulador que elimina a estabilidade dos valores e conceitos da sociedade, enfraquecendo suas convicções culturais e sua resistência a certos projetos políticos socializantes.”

Neutralização das ´Trincheiras` da Burguesia

“De um modo superficial, mas apoiados nas indicações de Gramsci, podemos reconhecer as ´trincheiras` do grupo dominante, da burguesia brasileira, indentificando-as no conjunto das organizações estatais, da sociedade política e das organizações privadas da sociedade civil. Indicamos apenas algumas das mais significativas:

- O Judiciário;

- O Congresso;

- O Executivo (Governo);

- Os Partidos Políticos Burgueses;

- As Forças Armadas;

- O Aparelho Policial;

- A Igreja Cristã;

- O Sistema Econômico Capitalista.”

“A neutralização, se possível a eliminação destas ´trincheiras`, é predominantemente uma guerra psicológica (mas não só esta) visando a atingi-las e miná-las [...], por meio do:

- Enfraquecimento, pela desmoralização, desarticulação e perda de base social, política, legal e da opinião pública;

- Esvaziamento, pelo isolamento da sociedade, perda de prestígio social, perda de funções orgânicas, comprometimento ético (´denuncismo`), quebra de coesão interna, ´dissidência interna`;

- Constrangimento e inibição por meio do ´patrulhamento`, penetração ideológica, infiltração de intelectuais orgânicos.”

Resumo das idéias-força (objetivos) da penetração cultural e os temas explorados para realizá-las:







“Todos os meios de formação do novo senso comum são também aqueles que se engajam na luta pela neutralização do ´aparelho hegemônico burguês`. Todavia, os elementos principais são os órgãos de comunicação de massa, não só os que estão sob controle dos intelectuais orgânicos mas ainda os outros que acompanham a ´pauta` destes, para não perderem a audiência ou os leitores dos seus veículos de divulgação.”

“Os órgãos da mídia ´orgânica` mantêm uma pauta permanente abrangendo os temas a serem explorados. Quando os acontecimentos não trazem por si só os escândalos, a corrupção, as denúncias e os fatos e acidentes propícios à utilização, os assuntos são trazidos a público periodicamente por meio de artifícios jornalísticos, mantendo a ´orquestração`. Não-raro, estes artifícios se valem da meia-verdade, da verdade manipulada, da ´armação`, quando não da inverdade.”

“Os meios de comunicação social privados e estatais da burguesia são também ´trincheiras` que devem ser neutralizadas com prioridade. Isto é feito pela aquisição ou conquista econômica e cultural, principalmente pela infiltração de intelectuais orgânicos e ocupação de espaço e posições na organização.”

´Estado Ampliado`

“A ´ampliação` do Estado, isto é, a absorção deste pela sociedade civil, segundo a estratégia de Gramsci, deve ser iniciada ainda na fase de luta pela hegemonia, antes mesmo da tomada do poder.”

“Objetivamente, este empreendimento é conduzido pela ´sociedade civil organizada`, mais precisamente, pelos ´aparelhos privados de hegemonia` das classes subalternas e dos seus aliados. A ´ampliação` se dá na medida em que estes aparelhos (organizações) vão assumindo certas funções estatais. Por isto, as chamadas organizações voluntárias não-estatais têm proliferado, muitas sob a denominação genérica de organizações não-governamentais (ONG), cuja sustentação financeira nunca tem sua origem muito bem conhecida. Mas o fato é que seus recursos não são poucos, antes são abundantes e suficientes para financiar os mais variados projetos e iniciativas e para manter um grande número de pessoas ativas sob os títulos de ambientalistas, especialistas, defensores disto e daquilo, pacifistas etc. Enfim, um exército de intelectuais orgânicos assalariados, alguns dos quais vêm ganhando notoriedade nacional e assídua presença nos meios de comunicação social.”

“Em termos de efetiva ´ampliação do Estado`, já é visível o papel das ONG´s no exercício de algumas funções públicas. [...] Na maioria dos casos, ainda têm forma de atuação reivindicatória e controladora do governo e dos governantes como, por exemplo, protesto e obstrução a determinadas iniciativas do Estado e a exigência de ´amplo debate` e de ´audiência` antecipada da sociedade civil como condição prévia para a realização de determinadas obras públicas e projetos sociais.”

“O mais significativo, porém, é o crescente número de convênios entre o Governo e organizações não-governamentais para a realização principalmente de projetos sociais e preservacionistas. Estes convênios, além de levarem recursos públicos às entidades da sociedade civil organizada, são a maneira mais eficiente, embora lenta e discreta, de realizar a ´ampliação do Estado`.”

“Estas novidades que, à generalidade das pessoas, podem passar por uma moderna evolução da democracia, na verdade é parte da concepção gramscista de transição para o socialismo.”



5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com propriedade, o Gen COUTINHO nos apresenta, no seu livro publicado em 2002, um retrato muito fiel da conjuntura nacional da atualidade. Seus argumentos nos parecem incontestáveis, posto que se baseiam em apurado estudo sobre a estratégia gramscista. Mais uma vez, recomendamos a leitura completa dessa excelente obra.

Temos vivenciado ultimamente o desencadeamento de forte ofensiva contra o Exército Brasileiro, seja pelo aproveitamento do êxito sobre fatos ocorridos que repercutiram, e ainda repercutem, de maneira contrária aos interesses da Força, seja pela propagação periódica de notícias requentadas. E tudo isso ocorre no momento em que acaba de ser divulgada pesquisa de opinião, em âmbito nacional, mostrando que as Forças Armadas são as instituições brasileiras com maior índice de credibilidade no seio da nossa sociedade.

Como vimos na obra do Gen COUTINHO, as Forças Armadas constituem uma importante “trincheira” a ser neutralizada e as “idéias-força” e os “temas explorados” contra elas, exatamente como foi apresentado pelo autor em seu quadro reproduzido no item anterior, têm presença constante nos meios de comunicação de massa.

É necessário olhar para o futuro. É preciso que civis e militares busquem o entendimento necessário, principalmente quando interesses nacionais estão em jogo. Afinal, assim entendemos, pertencemos a um conjunto único e queremos o melhor para o Brasil.

Como dissemos, o Exército vem sendo alvo de sistemáticos ataques. Para o bem da Nação, a Instituição tem que demonstrar uma posição forte. Vale destacar, para que não paire qualquer dúvida, que aqui nos referimos à necessária firmeza institucional plenamente inserida nos limites constitucionais.

Preservar a imagem da Força, portanto, é fundamental, posto que ela possui valor estratégico imbatível. Nesse sentido, as Operações Psicológicas, tanto no âmbito externo como no interno, constituem instrumentos valiosos.

Um Exército que se identifica com a população, que participa desde tempos imemoriais da vida nacional e que se dedica diuturnamente à defesa da Pátria precisa, na percepção da sociedade, ser mais do que importante: precisa ser fundamental à sobrevivência do País.

Somente mantendo a postura firme que a tem caracterizado ao longo de sua história, que se confunde com a história da própria Nação a que serve, a Força estará reforçando essa importante “trincheira” contra estratégias que visam ao seu enfraquecimento como instituição permanente e essencial à sobrevivência da Pátria.

por General-de-Exército CARLOS ALBERTO PINTO SILVA

sábado, 5 de dezembro de 2009

O conselheiro do mundo

A distância que separa a civilização da caverna, e a modernidade democrática do primitivismo populista, escancarou-se quando o Irã atômico entrou em pauta na entrevista coletiva em Berlim. Com clareza, concisão e sobriedade. a primeira-ministra Angela Merkel informou que as molecagens cada vez mais atrevidas de Mahmoud Ahmadinejad esgotaram a paciência das grandes nações. À advertência da Alemanha seguiram-se os acordes da Aquarela do Brasil e a letra improvisada pelo visitante.

Na primeira parte do falatório, Lula pediu que a criatura dos aiatolás fosse contemplada com mais paciência e um voto de confiança. Se o amigo iraniano já disse que não pensa em bomba, não há por que duvidar. Na segunda parte, o monoglota que ama a própria voz engatou uma ré e desandou: e os Estados Unidos? E a Rússia? Enquanto todos não desativarem seu arsenal, decolou, ninguém terá autoridade para exigir que o Irã deixe de fazer o que o orador acabara de garantir que não fará.

Ignorante em geografia, Lula mal sabe onde ficam os países cujo destino pretende influenciar. Analfabeto em geopolítica, incapaz de gaguejar a palavra realpolitik, flutua na estratosfera com a placidez de quem passeia num carrossel ─ e passou a berrar enormidades que nem os napoleões de hospício e os doidos de pedra ousariam sussurrar.

O protagonista do formidável fiasco em Honduras não esperou nem uma semana para comunicar a americanos e russos que, a menos que entreguem as armas nucleares, o Brasil não os autorizará a castigarem o Irã. Por achar que é mesmo o cara, atesta a patética performance em Berlim, Lula virou conselheiro do mundo.

Antes que se candidate à presidência da Terra, alguém poderia soprar-lhe que não há esperança de salvação para quem não sabe rir de si próprio, olhar-se com ironia, reconhecer os próprios limites e proibir-se de brincar de onisciente. O Lula sindicalista e o Lula do PT ainda no berço pareciam saber.

Se é que sabiam, o presidente não sabe mais. O Brasil que se cuide.
por Augusto Nunes

http://www.youtube.com/watch?v=0zW6KiLHbnI&feature=player_embedded

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

TRINTA ANOS DE LULA: OS HOMENS ADMIRÁVEIS

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009 | 4:49

Publiquei ontem alguns trechos da entrevista de Lula à revista Playboy em julho de 1979 e fiz uma pequena provocação intelectual: “O sindicalista é o pai do homem”. Acho que há mais trechos que os eleitores têm o direito de ler. Sacrifico-me por vocês. Como não está na Internet, tenho de digitá-los. Mas não me importo. Tudo pelo esclarecimento.

Os trechos que vocês lerão em vermelho são fortes, sim. Não fosse o Brasil, hoje, amigo de todas as ditaduras que há no planeta; não tivesse o governo Lula estendido o tapete vermelho para o um delinqüente como Mahamoud Ahmadinejad, censurado na ONU uma semana depois, com os votos de Rússia e China, mas sem o voto do Brasil; não tivesse flertado o Itaramaty, por vias oblíquas, até com o terrorismo das Farc, e a fala de Lula de 30 anos atrás não teria relevância. Mas, infelizmente, tem. Vamos lá.

(…)
Playboy – Há alguma figura de renome que tenha inspirado você? Alguém de agora ou do passado?



Lula [pensa um pouco]- Há algumas figuras que eu admiro muito, sem contar o nosso Tiradentes e outros que fizeram muito pela independência do Brasil (…). Um cara que me emociona muito é o Gandhi (…). Outro que eu admiro muito é o Che Guevara, que se dedicou inteiramente à sua causa. Essa dedicação é que me faz admirar um homem.

Playboy – A ação e a ideologia?

Lula – Não está em jogo a ideologia, o que ele pensava, mas a atitude, a dedicação. Se todo mundo desse um pouco de si como eles, as coisas não andariam como andam no mundo. (…)


Playboy – Alguém mais que você admira?

Lula [pausa, olhando as paredes] - O Mao Tse-Tung também lutou por aquilo que achava certo, lutou para transformar alguma coisa.

Playboy – Diga mais…

Lula – Por exemplo… O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer.



Playboy – Quer dizer que você admira o Adolfo?

Lula – [enfático] Não, não. O que eu admiro é a disposição, a força, a dedicação. É diferente de admirar as idéias dele, a ideologia dele.

Playboy – E entre os vivos?

Lula [pensando] – O Fidel Castro, que também se dedicou a uma causa e lutou contra tudo.

Playboy – Mais.


Lula – Khomeini. Eu não conheço muito a coisa sobre o Irã, mas a força que o Khomeini mostrou, a determinação de acabar com aquele regime do Xá foi um negócio sério.

Playboy – As pessoas que você disse que admira derrubaram ou ajudaram a derrubar governos. Mera coincidência?

Lula [rápido] – Não, não é mera coincidência, não. É que todos eles estavam ao lado dos menos favorecidos.

(…)

Playboy – No novo Irã, já foram mortas centenas de pessoas. Isso não abala a sua admiração pelo Khomeini?

Lula – É um grande erro… (…) Ninguém pode ter a pretensão de governar sem oposição. E ninguém tem o direito de matar ninguém. Nós precisamos aprender a conviver com quem é contra a gene, com quem quer derrubar a gente. (…) É preciso fazer alguma coisa para ganhar mais adeptos, não se preocupar com a minoria descontente, mas se importar com a maioria dos contentes.

Voltei
Que coisa, não? O único do grupo que não é um facínora, um assassino contumaz, um homicida frio, é Gandhi. Mas Gandhi, convenham, é a Portuguesa de Desportos das figuras ilustres da humanidade. Se a Portuguesa está em campo, e o adversário não é o nosso time, a gente torce pra quem?

Os outros… A referência a Hitler se presta a uma ironia sinistra: “O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer”. Sem dúvida, o homem era o senhor do fogo…

Lula mudou? Digamos que alguns facínoras foram acrescentados à sua galeria: Ahmadinejad, Khadafi, Omar Hassan Ahmad al-Bashir (o genocida do Sudão)… Fidel, bem…, a múmia, rejeitada até pelo diabo, continua objeto de culto…

De todas as admirações, esta que diz pouco se importar com ideologia é, sem dúvida, a mais perigosa. Afinal, 30 anos depois daquela entrevista, indagado se não se incomodava em receber Ahmadinejad, que nega o holocausto dos judeus, promovido por Hitler – aquele que “tinha o fogo de se propor a fazer alguma coisa”, Lula respondeu:
“Muito pelo contrário. Não estou preocupado com judeus nem com árabes. Estou preocupado com a relação do estado brasileiro com o estado iraniano. Temos uma relação comercial, queremos ter uma relação política”.

O sindicalista, como se vê, era mesmo o pai do presidente.

Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 24 de novembro de 2009

PETRALHAS, TIREM SUA TRISTEZA DO CAMINHO QUE EU QUERO PASSAR COM O MEU HUMOR

Estive no Programa do Jô, e a entrevista foi ao ar ontem mesmo (acima, no Youtube, apenas os primeiros minutos). É estranho ver-se na televisão, claro, para quem, como eu, atua em outro meio. Mas os leitores do blog gostaram do resultado — e os que, de hábito, odeiam, já ficou claro, tiveram ainda mais motivos para secretar seu fel. É do jogo. E aí há uma coisa curiosa: deploram menos — embora o deplorem muito! — o que eu disse do que o meu humor. Queriam-me triste, infeliz, sorumbático, acometido de irremediável melancolia. Pois é…

Lamento por esses caras. Embora se julguem tão vitoriosos; embora façam questão de esfregar a tal popularidade de 80% de Lula na minha cara — como se isso fosse mudar a opinião que tenho sobre ele e sobre o governo —; embora vivam me chamando “derrotado”, são eles a usar o discurso furioso, são eles a usar as falas do ódio, são eles a usar os vocábulos da tristeza e todos os sentimentos da angústia. Eu não! Sempre estive preparado para Lula e, se preciso, enfrento coisa pior. Posso não torcer por isso. Mas tenho enorme apreço pela realidade. Lamento pelos petralhas se não lhes pareci humilhado, acanhado, triste… É que não sou como sonham. Ao contrário até: alguns leitores me acharam excessivamente agitado, me mexendo muito, não parando quieto no sofá. Não, não era nervosismo — nem estava nem pareci nervoso, acho eu. É que sou assim mesmo: desassossegado. Só paro quieto lendo ou escrevendo. Assistir a um filme ao meu lado pode ser um tanto aflitivo se eu não pegar no sono, coisa com a qual os cineastas freqüentemente colaboram… Mas assim é há 48 anos. E surge, então, caras e caros, uma questão realmente muito interessante.

Se eles são os “vitoriosos”, os que “estão com tudo”, os que triunfaram, por que não são um pouco mais tolerantes, por que não são um pouco menos enfezados, por que não são um pouco mais tranqüilos? Por que lastimam em mim — o “derrotado”, o que eles dizem estar “do lado de lá” — justamente o bom humor? PORQUE OS FASCISTAS NÃO SUPORTAM A ALEGRIA. E a alma dessa gente é fascista. Só isso.

Esses caras criminalizaram a crítica. Eu tenho um pouco de vergonha de ficar listando as críticas que fiz ao governo FHC porque fica parecendo que estou prestando satisfação a esses “VAGABUUUUNDOS” (é uma alusão ao piada de Jô Soares no programa). Mas lembro, por exemplo, para ficar num caso que foi definidor do resultado das eleições de 2002, que a revista de que eu era diretor de redação — Primeira Leitura — deu a primeira matéria de capa sobre a crise de energia que viria. Com seis meses de antecedência! Reportagem dura, implacável, sem rodeios. As mesmas críticas eram feitas no site de modo contundente, abusado até — com o humor que empreguei hoje para falar do governo Lula. E qual foi a reação negativa do governo FHC? Nenhuma! Do mesmo modo, os tucanos não satanizavam os críticos. O PT batia no governo dia sim, dia também. A minha revista fazia o mesmo. E, no entanto, não havia campanha organizada para desmoralizar este ou aquele, identificando-os com “o jogo da oposição”.

Sabem por quê? Porque há uma grande diferença entre democratas, que realmente toleram a crítica, e os fascistóides, que não suportam a divergência. Não a suportam nem neste blog: tentam aparelhá-lo a todo custo, recorrem a sabotagens e expedientes criminosos, tentam silenciá-lo. E SÃO TOMADOS DE UMA FÚRIA INAUDITA SE NOTAM QUE VOCÊ NÃO É AQUELE INFELIZ COM O QUAL ELES FANTASIAVAM. Pois é, não sou.

Eu sei a razão da fúria, sim. E ela deriva do fato de que as palavras que disse sobre a presença de Ahmadinejad no Brasil são irrespondíveis. Estão com ódio de mim porque sabem que estão forçados a defender, então, um “líder” que nega o Holocausto, que promete destruir um país, que trata as divergências a bala, que alimenta o terrorismo. Uma defesa certamente incômoda, não é?

Podem reclamar. Como é mesmo? PETRALHAS, TIREM SUA TRISTEZA DO CAMINHO, QUE EU QUERO PASSAR COM O MEU HUMOR. E não vou mudar, pouco me importa quem vença as eleições, pouco me importa a popularidade de Lula, pouco me importa a sua síndrome de ineditismo, pouco me importa se nunca antes nestepaiz houve um presidente que dissesse tanto “nunca antes netepaiz”…

Brasil recebeu um criminoso, um terrorista, o chefe de um governo assassino. E foi o que eu disse na televisão. E debochei um pouco do que Lula tem de debochável… Aqui ainda não é o Irã, e eu não devo satisfações ao Conselho da Revolução Petralha.

Por Reinaldo Azevedo

Brasil, Honduras e a tese mentirosa

Honduras é um bom exemplo para desmoralizar a fantasia estúpida — que mente para os leitores — segundo a qual o Brasil opera a sua política externa em consonância, e passos combinados!, com os EUA.

Por quê? O Brasil apresentou a proposta de adiar por 15 dias a eleição naquele país, marcadas para o próximo dia 29. “Exige” a reinstalação de Manuel Zelaya. O Departamento de Estado dos EUA disse não e se irritou.

É claro que o Brasil não precisa seguir os passos de Washington; é livre para fazer o que quiser. O problema é que ele também não pode passar a fazer, agora, sempre o contrário do que querem os EUA — porque isso também seria uma forma de subordinação. A proposta, como vocês devem supor, é de Celso Amorim - e, pois, de Luiz Inácio Lula da Silva.

É incrível como o Brasil, nesse seu protagonismo destrambelhado, que pretende exibir independência, não dá a menor bola para a realidade objetiva de um outro país e se mete em seus assuntos internos com uma desfaçatez impressionante. Imaginem a crise que implicara um adiamento do pleito…

E por que a insistência? Porque Amorim fez mais uma bobagem e agora pretende forçar a história a cumprir as suas profecias, entenderam? Os hondurenhos que se danem! Ele não está nem aí. O Brasil sobrou com o chapeludo na mão e não sabe o que fazer.

Não basta querer ser líder; é preciso poder ser líder. Não basta poder ser líder; é preciso SABER ser líder. Essa gente não sabe. A política externa brasileira, hoje, limita-se a medir forças com os EUA no continente — e a ambição é fazê-lo em âmbito mundial, como deixa clara a visita de Ahmadinejad…

É, vai ver somos o império do futuro, né? É por isso que o sol sempre está iluminando uma base militar brasileira onde quer que esteja nascendo… O mais constrangedor nem é essa posição estúpida do governo brasileiro, mas a falta de senso de ridículo. E, obviamente, seu amor por ditaduras, ditadores e bandoleiros.

NOTA - Roberto Micheletti cumpriu todas as partes do acordo feito com a turma de Zelaya. E este acordo não previa data para o Congresso votar a restituição — tampouco previa que os parlamentares eram obrigados a dizer “sim”. Mas o Brasil agora deu para considerar que textos de acordo e constituições não valem mais nada.

Por Reinaldo Azevedo

domingo, 22 de novembro de 2009

Quem é o Filho do Brasil?

“O chefe da propaganda de Benito Mussolini era seu genro, Galeazzo Ciano. Lula, por sua vez,tem de se arranjar com Franklin Martins”

Luiz Carlos Barreto, o Filho do Brasil.” Ele, Luiz Carlos Barreto, é um personagem um tantinho menos oco do que aquele outro, canonizado em sua última obra, Lula, o Filho do Brasil. Quem é Lula? Eu o resumiria numa única linha: um retirante maroto que sonha em se transformar em José Sarney. Ele é Vidas Secas sem Graciliano Ramos. Ele é Antônio Conselheiro sem Euclides da Cunha. Ele é, citando outra patetice sertaneja produzida por Luiz Carlos Barreto, quarenta anos atrás – os filhos do Brasil repetem-se tediosamente de quarenta em quarenta anos –, o cangaceiro Coirana, sem Antônio das Mortes.

Quem já assistiu a um cinejornal do “Istituto Luce” sabe perfeitamente o que esperar de Lula, o Filho do Brasil. Benito Mussolini, em Roma, conclamando as massas, é igual a Lula, no ABC, imitando Bussunda. O chefe da propaganda de Benito Mussolini era seu genro, Galeazzo Ciano. Lula, por sua vez, tem de se arranjar com Franklin Martins, coordenador do MinCulPop lulista. Mas o fato é que, a cada dia mais, o “filho de Dona Lindu” macaqueia o “filho do ferreiro de Predappio” – só que num cenário mais indigente e embolorado.

Se o crack de 1929 consolidou aquilo que Benito Mussolini chamou de “estado empreendedor”, o crack de 2008 fez o mesmo com Lula. A economia fascista tinha IMI e IRI, bancos públicos que forneciam crédito à indústria italiana, privilegiando os aliados do regime. A economia lulista tem Banco do Brasil e BNDES, que desempenham um papel semelhante. Benito Mussolini era celebrado na propaganda oficial por ter “restringido as desigualdades sociais”. Lula? Também. Os triunfos italianos nas Copas do Mundo de 1934 e 1938 foram creditados ao Duce, que compareceu aos jogos finais, assim como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 foram creditadas a Lula. Recentemente, Lula arrumou até seu próprio ditador antissemita, que promete repetir o holocausto: o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, recebido com pompa na capital do lulismo. Os “anos do consenso” de Benito Mussolini duraram de 1929 a 1936. Quanto podem durar os de Lula?

Luiz Carlos Barreto, em 1966, produziu um curta-metragem de propaganda para José Sarney. O curta-metragem foi dirigido por um conhecido marqueteiro: Glauber Rocha. Desde aquele tempo, Luiz Carlos Barreto, “o Filho do Brasil”, é quem melhor sintetiza o caráter nacional. Durante a ditadura militar, ele tomou conta da Embrafilme. No período de Fernando Henrique Cardoso, ele fez propaganda para a Embratur e para o BNDES. Quando o lulismo foi desmascarado, em 2006, ele disse: “O mensalão não era mensalão. Era uma anuidade. Faz parte da ética política. E a ética política é elástica”. A ética cinematográfica é igualmente elástica. E, no caso de Luiz Carlos Barreto, é uma anuidade.

Luiz Carlos Barreto, homenageado no Senado por Roseana Sarney, que o chamou de “grandalhão dócil e amável do cinema brasileiro”, agora planeja filmar o romance Saraminda, de José Sarney. É dessa maneira que Lula passará para a história: como uma mera anuidade no intervalo entre o José Sarney de 1966 e o José Sarney de 2010.

Por Diogo Mainardi

A construção de um mito


O filme Lula, o Filho do Brasil faz parte de um projeto de endeusamento
do presidente, o que, às vésperas de uma eleição, entra na categoria
de propaganda política. Lula tem uma bela história de vida, foi um líder
sindical de resultados e é um presidente da República eficiente e amado,
mas ele só tem a perder se se deixar transformar em mito vivo


Diego Escosteguy e Otávio Cabral

Clovis Cranchi/F4
NA VIDA REAL
Lula foi um líder sindical carismático e pragmático que se encaixou à perfeição no projeto de distensão política do regime militar por ser da esquerda não marxista, não alinhada com o movimento comunista internacional e, por isso, tolerada
Almeida Rocha/Folha Imagem
NA FICÇÃO
O sindicalista Lula vira na tela um Gandhi magnânimo, infalível e incorruptível cuja bondade e sabedoria se combinam com uma visão de futuro privativa dos profetas


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Luiz Inácio Lula da Silva, o mais improvável dos presidentes brasileiros, já entrou na história antes de sair da vida. Lula, o filho do sertão pernambucano que comia feijão com farinha sob o árido sol de Garanhuns antes de se tornar engraxate nas ruas do Sul Maravilha, venceu. Dos sapatos chegou à fábrica de parafusos; do torno saltou para a avenida larga, longa e generosa da vida sindical, que o conduziu ao Partido dos Trabalhadores e à Presidência da República. Instalado no poder, Lula amargou escândalos, viu a dissolução ética de seu partido, observou de mãos atadas uma recessão econômica de quase dois anos que por pouco não paralisou seu governo. Mas, como não há males que durem, os escândalos foram varridos para debaixo do tapete e a recessão inicial cedeu, abrindo caminho para o crescimento econômico e a consequente onda de boa vontade com os governantes que ele traz. Com sua genuína devoção aos mais pobres e um carisma fenomenal, Lula chega às portas do seu último ano de governo com 80% de aprovação. A vida de Lula, como se vê, parece coisa de filme.

Lula, o Filho do Brasil, a cinebiografia que estreará nos cinemas no começo do próximo ano, é o primeiro filme de ficção sobre a vida do presidente. A LC Barreto, responsável pelo projeto, enviará 500 cópias ao circuito comercial – o maior lançamento da história do cinema brasileiro. As centrais sindicais, como a CUT e a Força Sindical, planejam projetar a fita para espectadores das áreas mais pobres do país. Os trabalhadores sindicalizados poderão comprar ingressos subsidiados a 5 reais. As estimativas mais conservadoras indicam que, somente nas salas comerciais, 5 milhões de pessoas assistirão ao longa. É pouco diante do que se seguirá. O DVD do filme será lançado no dia 1º de maio, feriado do trabalhador. Em seguida, a Rede Globo levará a fita ao ar, editada como uma minissérie. Ao final, se essa ambiciosa estratégia de distribuição funcionar, Luiz Inácio, o homem que fez história, dará um salto rumo a Luiz Inácio, o mito. Esse mito paira acima do bem e do mal, mas estará dizendo o que é certo e o que é errado na campanha eleitoral de 2010. Por fazer parte de um projeto de beatificação do personagem com vista a servir de propaganda eleitoral disfarçada de entretenimento na próxima campanha, Lula, o Filho do Brasil parece coisa de marqueteiro.

Antes mesmo de ser lançado em rede comercial, o filme está agitando os bastidores da política. Assessores envolvidos na campanha presidencial de Dilma Rousseff, a candidata escolhida pelo governo para suceder Lula, veem na película um poderoso instrumento eleitoral, capaz de fazer diferença na luta petista para se manter no poder. O otimismo não é gratuito. Os estrategistas do Planalto receberam pesquisas que demonstram a capacidade de transferência de votos do presidente Lula. Ou seja, se Lula mantiver a popularidade em alta, Dilma será largamente beneficiada. A população faz uma ótima avaliação de Lula e se dispõe a votar em um candidato que mantenha os principais programas do petista. Lula é o maior cabo eleitoral do país. Quase 20% dos eleitores votam em seu candidato, independentemente de quem seja (veja o quadro). A grande dificuldade de Lula é que boa parte do eleitorado não conhece Dilma nem a associa ao presidente. Por isso ela segue a léguas de distância de José Serra, do PSDB, o líder das pesquisas. Para reverter esse quadro, Lula conta com o crescimento da economia, que pode atingir até 5% do PIB em 2010, e a consequente perspectiva de que os eleitores sigam sua orientação e votem em quem ele indicar. O filme é visto como um fator estimulante nesse processo de transferência.

Celso Junior/AE
AVANT-PREMIÈRE
A primeira-dama Marisa Letícia e as atrizes do filme: o lançamento em Brasília foi disputado, mas os aplausos do público foram apenas discretos


Na terça-feira da semana passada, VEJA esteve na primeira exibição pública do filme, que abriu o tradicional Festival de Cinema de Brasília. Numa demonstração da comoção que o longa deve causar, teve gente, de político a porteiro, que implorava por convite na frente do Teatro Nacional, onde aconteceu a projeção. Havia cerca de 1 400 pessoas no teatro, entre ministros, deputados, senadores, sindicalistas, burocratas do governo e jornalistas. Marisa Letícia, a primeira-dama, compareceu ao evento e foi assediada como celebridade. Havia gente em cadeiras improvisadas, gente nas escadas, gente no chão. Lula, o Filho do Brasil é uma novela com duas horas de duração. Em matéria de lágrimas, funciona. Em matéria de apuro estético, constrange. Como obra de arte, portanto, é uma irretocável peça de propaganda. Não poderia ser diferente: é um projeto concebido exatamente com esse propósito. Dirigido por Fábio Barreto, o filme inspira-se na biografia homônima – e oficial – do presidente, escrita pela jornalista Denise Paraná e editada pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT.

Se como cinema o filme é fraco, como propaganda e negócio tem tudo para dar certo. O apelo emocional da obra pode agradar ao público que chorou com 2 Filhos de Francisco, a história de superação dos irmãos Zezé di Camargo e Luciano. Há elementos em abundância para provocar chororô – nisso se percebe a maestria de Fábio Barreto, que apresenta ao espectador um Lula plano, sem meios-tons, cujas carnes se tornam reais apenas no sofrimento da perda da mulher grávida, ou no êxtase ao comandar as massas nos comícios sindicais. Qualquer sentimento que pudesse torná-lo mais humano, como a raiva pelo abandono do pai ou a inveja de quem tinha o que ele desejava, perde-se na produção artificial do mito, do messias que sofre, persevera e está destinado a conduzir o povo até a terra prometida (veja o quadro). O Lula de Fábio Barreto não é somente um herói sem defeitos; é um herói iluminado. Barreto faz de tudo para mostrá-lo assim, inclusive omitindo ou atenuando a verdadeira história do presidente (veja o quadro). O Lula de Barreto usa inverossímeis frases de efeito ("Homem não bate em mulher!") para impedir que o pai bata na mãe ou para desafiar a polícia autoritária do regime militar ("Cadeia foi feita para homem") – embora na vida real algumas dessas passagens jamais tenham ocorrido.

Fotos Celso Junior/ AE; Dida Sampaio/ AE
EFEITOS ESPECIAIS
O ministro Franklin Martins acredita que a mitificação precoce de Lula pode ajudar a campanha de Dilma Rousseff


"Queria fazer um melodrama", admite o diretor. O recorte temporal do filme é a primeira prova disso. O roteiro percorre a infância miserável de Lula em Garanhuns, acompanha a trajetória dolorosa do menino que é obrigado a trabalhar para comer e avança até o mergulho dele no mundo sindical. Mas para por aí. Tudo o que aconteceu na vida do presidente entre o começo dos anos 80 e a vitória em 2002 ficou de fora: a criação do PT, a atuação como deputado na Constituinte de 1988, as cinco campanhas presidenciais. Qualquer episódio que pudesse causar constrangimento ou contrariar a narrativa hagiográfica da vida de Lula sumiu da história. Barreto suaviza algumas características notórias do presidente e omite algumas passagens pouco edificadoras. Essas opções dramáticas servem para construir o mito, que sempre precisa de um passado idealizado, idílico, no qual o futuro se desenhe glorioso, rumo ao paraíso terreno – uma mentalidade que prosperou com força na ideia do "país do futuro", no decorrer do regime militar. O clímax triunfalista do filme, quando Lula se ergue sobre as massas, reforça precisamente esse projeto autoritário.

Os bastidores do projeto revelam que essas opções não foram meramente artísticas. Houve estreita colaboração entre os produtores do filme e a equipe de Lula. Em 2003, logo após adquirir os direitos da biografia oficial do presidente, Luiz Carlos Barreto obteve o aval do presidente para tocar o longa. Políticos próximos a Lula afirmam, sob a condição de anonimato, que o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, teve influência decisiva na definição do esquema de captação de recursos. Antes da edição final, Barreto viajou para Brasília pelo menos duas vezes para exibir o filme a políticos próximos ao Planalto. A primeira sessão aconteceu há três meses. Participaram ministros, como Paulo Bernardo, do Planejamento, e Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, e deputados, como João Paulo Cunha e Ricardo Berzoini, da cúpula do PT. Os petistas, depois da exibição, acharam as músicas incidentais muito pouco dramáticas e sugeriram acrescentar músicas populares, que seriam mais facilmente assimiláveis – no que foram prontamente atendidos.