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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Os filhos de Lula, Erenice e Nascimento ensinam como fazer para virar milionário usando apenas a carteira de identidade


Aiuri Rebello e Bruno Abbud

O Ronaldinho da informática

Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, tinha 27 anos em 2003, quando decidiu montar uma produtora de conteúdo digital em parceria com os amigos de infância Ricardo e Kalil Bittar, filhos de Jacó Bittar, ex-prefeito de Campinas, conselheiro da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) e íntimo de Lula desde a década de 70. No ano seguinte, a Gamecorp foi pinçada do semianonimato e do raquitismo financeiro por uma proposta surpreendente: a Telemar ofereceu R$ 5 milhões para tornar-se sócia minoritária dos três jovens empresários. Com a mediação da consultoria de Antoninho Trevisan, outro velho amigo de Lula, o negócio foi consumado em 2005. A direção da Telemar informou que resolvera investir no diminuto empreendimento baseada em projeções econômicas que não divulgou. E garantiu que só soube que se asssociara a um filho do então presidente depois de consumado o acerto.

Antes de virar empresário, Lulinha, formado em biologia, ganhava R$ 600 por mês como monitor do Jardim Zoológico de São Paulo. Em outubro de 2006, numa entrevista concedida à Folha, o pai foi confrontado com a carta de um leitor interessado em saber por que seus filhos, com formação escolar mais sofisticada, não eram tão bem sucedidos quanto o integrante da Primeira Família. “Porque deve haver um milhão de pais reclamando: por que meu filho não é o Ronaldinho? Porque não pode todo mundo ser o Ronaldinho”, comparou Lula. “Eles fizeram um negócio que deu certo. Deu tão certo que até muita gente ficou com inveja”. Na mesma semana, no programa Roda Viva, o presidente voltou ao tema. “Não posso impedir que ele trabalhe”, defendeu-se. “Vale para o meu filho o que vale para os 190 milhões de brasileiros. Se têm alguma dúvida, acionem ele”.

A Câmara Municipal de Belém, no Pará, já atendera à sugestão do presidente em fevereiro de 2006, quando solicitou à Procuradoria-Geral da República que investigasse Lulinha por suspeita de tráfico de influência. Como a sede da Telemar fica no Rio, a Procuradoria repassou o caso aos procuradores baseados em território fluminense. Em outubro de 2006, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro pediu a abertura de inquérito à Polícia Federal. Em junho de 2007, contudo, resolveu transferir a missão para o Ministério Público Federal de São Paulo, que abriga a sede da Gamecorp. Em outubro de 2009, os procuradores paulistas entenderam que cabia ao Superior Tribunal de Justiça decidir quem deve cuidar do assunto. Em 12 de fevereiro deste ano, a Folha informou que STJ resolvera a pendência: cumpre à 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo apurar se Lulinha subiu na vida porque é um Ronaldinho da informática ou porque foi içado pelo sobrenome.

O filho da Casa Civil

A edição de VEJA de 11 de setembro de 2010 revelou que Israel Guerra, 32 anos, filho da ministra Erenice Guerra, amparava-se na influência da chefe da Casa Civil para extorquir propinas de empresários interessados em fechar negócios com o governo. As maracutaias ganharam velocidade em julho de 2009, quando Israel montou com dois sócios a Capital Assessoria e Consultoria, nome oficial da quadrilha formada por parentes e agregados da melhor amiga de Dilma Rousseff. Em abril de 2010, Fábio Baracat, dono de uma empresa de transporte aéreo, pousou em Brasília para ouvir a proposta do filho da Casa Civil: para contar com a boa vontade da mãe, Baracat teria de pagar R$ 25 mil por mês pela consultoria, mais uma taxa de sucesso de 6% do valor do contrato com o governo.

Baracat conseguiu no mesmo ano um contrato de R$ 84 milhões com os Correios. Só com a taxa de sucesso, Israel embolsou R$ 5 milhões. É uma bolada e tanto, sobretudo para quem tivera de sobreviver com o salário de funcionário público. Em 16 de setembro de 2010, dois dias depois da demissão de Erenice, uma sindicância interna foi instalada na Casa Civil para apurar o escândalo. As apurações foram concluídas quase quatro meses depois, em 2 de janeiro de 2011. Como não se descobriu nada de errado, ninguém foi punido. Um inquérito aberto pela Polícia Federal ouviu cerca de 60 pessoas. Não tem prazo para terminar.

O Palocci amazonense

O arquiteto Gustavo Morais Pereira, filho do ex-ministro Alfredo Nascimento, tinha 21 anos em 2005, quando se juntou a dois sócios para abrir a construtora Forma Construções, com capital inicial de R$ 60 mil. Em 2006, a empresa declarou R$ 17,7 milhões à Receita Federal. Em 2007, a fortuna cresceu para R$ 52,3 milhões. O aumento de 86.500 % em dois anos, revelado pelo Globo há 10 dias, transformou em coisa de amador o milagre da multiplicação do patrimônio operado por Antonio Palocci.

Desde o nascimento, a empresa construiu um conjunto de 86 casas de alto padrão e um prédio comercial de 20 andares num bairro nobre de Manaus. O Ministério Público Federal investiga desde o ano passado as proezas financeiras de Gustavo. Entrou na alça de mira dos promotores por ter declarado renda incompatível com os ganhos da Forma Construções. Que, por sinal, também é alvo de investigações, concentradas nos negócios feitos com uma empresa frequentemente irrigada por recursos do Ministério dos Transportes, comandado por Alfredo Nascimento. O pai de Gustavo, demitido por corrupção, ainda não recebeu nenhuma intimação judicial.


Augusto Nunes

O procurador que encontrava um culpado por semana finge que não vê bandidos há oito anos e meio


Até janeiro de 2003, o procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza encontrava um pecador por semana. Desde o dia da posse do companheiro Lula, não enxergou mais nenhum. Aos 49 anos, faz oito e meio que anda sumido do noticiário político-policial que frequentou com assiduidade e entusiasmo enquanto Fernando Henrique Cardoso foi presidente. Continua solteiro, mora na casa dos pais, pilota o mesmo fusca-85, enfia-se em ternos amarfanhados que imploram por tinturarias e não usa gravata. A fachada é a mesma. O que mudou foi a produtividade.

Se o que aconteceu na Era da Mediocridade tivesse ocorrido na Era FHC, Luiz Francisco estaria encarnando em tempo integral, feliz como pinto no lixo, a figura do mocinho disposto a encarar o mais temível vilão. O Luiz Francisco reciclado quer distância de barulhos. Enquanto cardeais da igreja principal e sacerdotes do baixo clero multiplicam em ritmo de Fórmula 1 o acervo nacional de crimes, delitos, contravenções e bandalheiras em geral, ele permanece em sossego. Enquanto o país que presta pede cadeia para os quadrilheiros, ele providencia mais pedidos de licença remunerada. Todos são prontamente atendidos.

Nascido em Brasília, ex-seminarista da Ordem dos Jesuítas, ex-bancário, ex-sindicalista, Luiz Francisco cancelou a filiação ao PT em 1995, 20 dias antes de tornar-se procurador regional do Distrito Federal. ”A militância é incompatível com o cargo”, explicou. A prática trucidou a teoria: nunca militou com tamanha aplicação. Convencido de que sobrava bandido e faltava xerife, não respeitava sequer fins de semana, feriados ou dias santos. “Trabalhar é minha grande diversão”, repetia entre uma e outra denúncia.

Luiz Francisco garante que ganha pouco mais de R$ 7 mil por mês. Até que desistisse da candidatura a operário-padrão, mereceu os R$ 19 mil prometidos como salário inicial a um procurador do Distrito Federal. Nenhum outro conseguiria acusar tanta gente durante o dia e, à noite, escrever dúzias de parágrafos do livro que exigira 24 anos de pesquisas. Publicado em 2003 pela Editora Casa Amarela, “Socialismo, Uma Utopia Cristã” pretende provar, segundo o autor, que “até a metade do século XIX o socialismo exibia uma clara inspiração religiosa, especialmente cristã”. Tem 1152 páginas.

Deveria ter sido menos prolixo. Intrigados com o mistério da multiplicação das horas do dia, outros procuradores e todos os inimigos examinaram com mais atenção a papelada que jorrava da sala de Luiz Francisco. Aquilo não fora obra de um homem só, informaram as mudanças de estilo, a fusão de trechos corretamente redigidos com atentados brutais ao idioma, o convívio promíscuo entre substantivos em maiúsculas e adjetivos em minúsculas. E então se descobriu que o inquisidor incansável frequentemente assinava ações, denúncias e representações que já lhe chegavam prontas, enviadas por interessados na condenação de alguém.

Decidido a atirar em tudo que se movesse fora do PT, acabou baleando com denúncias fantasiosas vários inocentes. Nenhum foi tão obsessivamente alvejado quanto Eduardo Jorge Caldas Pereira, secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique. Em 2009, o Conselho Nacional do Ministério Público reconheceu formalmente que Eduardo Jorge, enfim absolvido das denúncias improcedentes, foi perseguido por motivos políticos e condenou o perseguidor a 45 dias de suspensão.

Em vez de provar que pelo menos uma das numerosas acusações a Eduardo Jorge fez sentido, Luiz Francisco prefere alegar que o caso está prescrito. Como violou a legislação para obedecer aos mandamentos da seita petista, recorre ao calendário gregoriano para arquivar a história que o devolveu ao noticiário no papel de culpado —pela segunda vez desde o começo da superlativa temporada de férias. A primeira está completando cinco anos.

Em 2006, o procurador que se dispensou de procurar criminosos foi procurado pelo colombiano Francisco Colazzos, o “Padre Medina”, procurado pela Justiça do país onde nasceu. O foragido apresentou a Luiz Francisco as credenciais de embaixador das FARC e pediu ajuda para escapar da cadeia. Celebrada a aliança entre o ex-sacerdote acusado de homicídio e o ex-seminarista que nunca viu um pecador do lado esquerdo, renasceu o ativista fora-da-lei, que ensinou ao parceiro a arte de safar-se de investigações policiais. Os truques só conseguiram retardar a prisão.

O protegido esperava na gaiola o julgamento do pedido de extradição encaminhado pela Colômbia ao Supremo Tribunal Federal quando o protetor foi à luta. Embora não tivesse nada a ver com o caso, entrou com uma ação judicial para que Colazzos fosse devolvido à Polícia Federal. A solicitação foi encampada sucessivamente pelo Ministério Público, pela Polícia Civil e pelo juiz da Vara de Execuções Criminais, Nelson Ferreira Junior, antes de esbarrar no ministro Gilmar Mendes.

Admoestado pelo então presidente do STF, publicamente e com aspereza, Luiz Francisco só escapou de castigos mais severos porque o Planalto nunca deixa de socorrer companheiros aflitos. Dois meses depois da tentativa de obstrução da Justiça, o governo promoveu Colazzos a guerrilheiro, concedeu-lhe asilo político e arrumou emprego para a mulher. Sem alternativa, o STF devolveu-o a liberdade.

O que mais andou fazendo Luiz Francisco para matar o tempo?, quis saber a coluna em junho passado. Uma funcionária da Procuradoria informou que não seria possível encontrá-lo. Em lugar incerto e não sabido, está gozando de mais um período de descanso remunerado.

Augusto Nunes

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Eles só têm medo de algemas




O noticiário político-policial informa que os assaltantes de cofres públicos não se constrangem com nada. Espalhada por todas as ramificações da máquina administrativa, a bandidagem apadrinhada pela aliança governista transforma o clã em quadrilha, ensina o filho a roubar desde criancinha, reduz a mulher a comparsa, carrega pilhas de cédulas em malas, meias ou cuecas, desvia a verba dos flagelados ou o carregamento de remédios, tunga o dinheiro da merenda escolar, pendura o neto em cargos de confiança, passeia de jatinho com a mãe ou a sogra, inventa consultorias, estupra sigilo bancário, curra sigilo fiscal, cria empresas de fachada, usa o jardineiro como laranja, vende gado inexistente, mente compulsivamente e, se o perigo é muito, queima o arquivo. Para viver como o diabo gosta, faz coisas de que até Deus duvida.

A turma que tudo se permite só não admite ser algemada. Com os braços provisoriamente imobilizados, punguistas patológicos incorporam a figura do chefe de família respeitável: o que é que vou dizer lá em casa?, parece perguntar a expressão envergonhada. Não é possível tratar como criminoso comum um delinquente da classe executiva, berram advogados e padrinhos. Não há limites para a roubalheira, mas é preciso impor limites às ações da Polícia Federal.

O berreiro dos culpados revela que eles só têm medo de algemas. Bom saber. Já que argolas de metal são a única coisa capaz de reavivar o sentimento da vergonha, já se sabe o que fazer para produzir os mesmos efeitos causados pelo velho e infalível “Olha o rapa!”. Basta que os brasileiros honestos, sempre que toparem com qualquer integrante da multidão de assaltantes, gritem a palavra-de-ordem medonha:

ALGEMAS PARA TODOS!

Augusto Nunes

Como é doce ser corrupto no Brasil



A corrupção no Brasil é o melhor negócio do mundo. Muito mais lucrativo do que tráfico de drogas, jogo, contrabando — e com uma pequena fração do risco inerente a esses delitos. Não precisa da sombra, do subterrâneo, da clandestinidade, como todos esses. O negócio da corrupção é idealizado e patrocinado por agentes legítimos do governo e coonestado por políticos eleitos pelo povo — ou vice-versa. E malversa um dinheiro que está devidamente contabilizado e destinado a esse fim.

Lá bem para trás, esse dinheiro foi aliviado de nosso bolso na forma de taxas e impostos — mas já nos habituamos à mão leve do estado e perdemos a noção desta cadeia alimentar: os corruptos se fartam com o dinheiro que recolhemos compulsoriamente aos cofres públicos, fruto de nosso trabalho.

Claro que um esquema de corrupção sempre pode ser desbaratado, mas não por falhas intrínsecas do sistema, que é perfeito — o único flanco é o vazamento interno, como deve ter ocorrido agora no desmantelamento da quadrilha que não perdia viagem no Ministério do Turismo.

A implosão de um modelo de roubalheira pode dar algum constrangimento inicial aos envolvidos, às vezes um par de algemas um tanto apertadas, mas cadeia de verdade não dá – podendo-se também manter o produto do desvio quando a onda passar. Basta desenvolver um modus operandi bem fechadinho – mesmo que bem tosco.

A criação de uma ONG fantasma no Amapá para treinar pessoas a dobrar guardanapos parecia mais segura do que fazer xixi, sem ser pego pela polícia ambiental islandesa, na borda do vulcão Eyjafjallajokull. Há oito anos, o PT municia com verbas vultosas um número incalculável de onguinhas camaradas ligadas ao Ministério do Turismo e às outras pastas – mais uma, menos uma, não faria diferença nem chamaria a atenção. E se chamasse, sempre haveria Sarney, que aluga o estado e é tido como bom inquilino, pagando sempre em dia – apesar dos 80 anos, ainda é dono de uma técnica insuperável de limpeza de cenários de crimes, como o personagerm de Harvey Keitel em “Pulp Fiction”.

A transferência de know-how é completa. A pequena mise-en-scène necessária à prática fluente do delito amapaense foi dirigida pelo próprio secretário executivo do Ministério, Frederico Silva Costa, que, numa daquelas piadas prontas que fazem o dia do José Simão, se encarregou de transmitir a instrução básica ao assecla fundador da ONG ladra:

“O importante é a fachada”, disparou ele, em gravação autorizada pela Justiça.

Não foi uma recomendação metafórica, alegórica – mas real. A fachada – no caso, a frente física da sede da ONG milionária incapaz de capacitar alguém a servir um copo de água –, é uma questão muito importante, como diria a presidente Dilma. Algo deu errado e a fachada caiu. Bom para nós. Mas e o dinheiro?

O governo Lula criou a mulher e, justiça seja feita, não criou a corrupção. Apenas aperfeiçoou-a, com a decisiva contribuição dos profissionais dos partidos aliados. Em governos anteriores — e aqui mesmo em São Paulo há toda uma malha viária construída dentro desse parâmetro – partia-se de um projeto já definido, uma nova avenida, por exemplo, e a ele se agregava a corrupção, na forma clássica do superfaturamento de custos. Isto é, o projeto real sempre precedia o furto – e, bem ou mal, era concretizado, na forma de um viaduto, uma ponte, um recapeamento, um lote de merendas escolares. Hoje, ainda se desviam bilhões com esse modus roubandi clássico, em todos os ministérios.

Mas o lulopetismo aperfeiçoou, no negócio da corrupção, uma modalidade extraordinariamente mais fácil, ainda mais lucrativa e muito mais cínica e perversa. Hoje, a ideia do roubo preexiste à concepcção do projeto – e este nem precisa se materializar, como no caso da ONG do Amapá que capacitou servidores públicos para o roubo de cofres públicos.

Ou seja: é a corrupção ectoplasmática. Rouba-se o que não existe – além de dinheiro. E de Pedro Novais.

por: CELSO ARNALDO ARAÚJO